Acredito em Deus. É quase tão natural como respirar, esta certeza. Mas, embora seja cristã, admito que todas as igrejas, de todos os credos, me têm vindo a desiludir, talvez pelas suas raízes revelarem sempre uma faceta humana muito feia: a ganância, o aproveitamento do outro como meio, não como fim; a manipulação, nem sempre limpa, de mentalidades e vidas. Mas sou cristã, menos praticante do que já fui, porque estou na fase de atravessar o deserto e chegar, pelos meus próprios pés até Deus, leve o tempo que levar, e ser cristã obriga-me a refletir sobre as implicações que essa certeza tem na minha vida.
Além disso estamos a chegar à Páscoa, um tempo que me deixa sempre a alma encolhida. E temos um novo papa: o papa Francisco, como S. Francisco de Assis, o santo que amou os pobres. E estes dois acasos fizeram quebrar algo em mim. Porque sou cristã? Em primeiro lugar porque fui educada assim. Porque continuo cristão depois de ler sobre todas as religiões e credos e encontrar princípios que me encantam em todos eles? Talvez porque ser cristão implica acreditar em Cristo. O Deus que se fez homem, segundo a história ou a fé. E é a partir deste ponto que eu vou começar: Não sei entender Cristo, sem o mergulhar na minha vida, sem espelhar o que sinto, penso e quero nos Seus olhos, mas sobretudo na Sua vida. Posso não saber tudo o que Cristo foi, mas sei o que Cristo não foi.
Afirmo, sem hesitar, que não foi um “bonzinho” sem espinha dorsal, ou um cobarde. Não foi um hipócrita. Não foi, sobretudo, um conformista ou um alienado. Não deu qualquer importância aos ritos e às tradições externas da religião e afirmou, descaradamente, que a fé sem as obras; as palavras sem o amor, não valem o peso de um grão de areia. Não valem nada, porque sem amor nada tem o mínimo valor. Cristo vibrou, riu e chorou ao lado dos homens. Dos ricos ou dos pobres, dos justos e dos pecadores. E porque sabia rir, entendia a alegria, e convivia em festas, chamaram-lhe quebra-leis, apontaram-lhe o dedo e rotularam-no desdenhosamente de impostor, porque seria impensável que o verdadeiro Filho de Deus, pudesse acolher uma prostituta, perdoar uma adúltera, conviver com um usuário e dizer, com toda a ousadia, que veio para salvar o que estava perdido, que veio curar o que estava doente e que veio, não para julgar, mas para ensinar o amor. Cristo condenou o pecado, mas nunca condenou o homem. É este Cristo que tantos, ainda hoje, não querem engolir, que eu procuro desesperadamente no rosto de cada irmão.
Cristo cresceu a vida toda. Não nasceu diferente de ninguém, não teve privilégios especiais e não recebeu uma declaração honrosa, nomeando-O oficialmente Filho de Deus. Cristo aprendeu sozinho, que a vida é uma missão, nem sempre fácil, nem sempre feliz, mas sempre um desafio, para quem ama a verdade.
Cristo não quis prestígio ou poder, quis amor. Não quis ritos e honras, quis pormenores de carinho e corações de criança. Porque, afinal, só quem tem um coração de criança pode entender o que é o Reino de Deus.
Cristo não nos pediu para sermos robots, comandados por tradições, por regrinhas medíocres e hipócritas, por actos externos de bons cidadãos. Cristo foi suficientemente adulto e maduro, para não se deixar enganar ou tentar por aduladores. Cristo não quer aduladores, quer almas combatentes, que tenham a louca coragem de esvaziar-se de si mesmas, para se encherem de Deus. Cristo quer adoradores em espírito e em verdade. Não em corpo presente e em mentira.
Cristo foi também radicalmente livre. Como se atrevem então a tentar convencer-me, que o meu Deus tolhe a minha liberdade; me castiga por eu pensar; me expulsa por eu errar, me critica porque aceito a alegria e porque abraço alguém? Não foi Deus apresentado por Cristo, nosso irmão, como o Pai que abraça com força o filho pródigo, o ingrato, o devasso, o pecador, que um dia lhe virou as costas mas, depois, teve a coragem de regressar e de pedir perdão?
Só quem se julga perfeito, não pede nunca perdão. Não sabe sequer fazê-lo. O perdão só é dado aos “publicanos”, que sabem dobrar a cabeça, cair de joelhos e dizer: “Pai, perdoa-me, porque errei”. Não aos fariseus que dizem: “Pai, vê como sou bom, honesto e justo. Vê como sou diferente daquele publicano desregrado, daquele viciado, daquele pecador” e não chegam nunca a perceber, que o maior pecado do mundo é o de ver e o de julgar os outros seres humanos como pecadores.
Eu não quero ter medo de Deus. Quero confiar Nele, partilhar segredos, sentir cumplicidade e vontade de sorrir só de pensar que Ele existe. Foi esta imagem de Deus que Cristo me ensinou e sei, porque a alma mo segreda, que eu nunca saberia amar um Deus que não fosse assim. Um Deus que fosse mais razão do que coração, mais crítica do que ternura.
Por este Deus que ama, vale a pena mudar, vale a pena prescindir, vale a pena sofrer e lutar. A este Deus, a este Cristo, vale a pena dedicar cada segundo da vida, mesmo que me digam que não passo de uma tonta idealista, que joga palavras ao vento e que não muda ninguém. Não quero mudar ninguém. Para mudar corações e vidas já existe o Espírito Santo. O papel que me cabe, o papel de cada homem que cresce por dentro, é apenas o de entender e o de fazer entender os outros, que o Deus que Cristo nos revelou, se chama apenas AMOR.
Uma santa Páscoa para todos!