Um lançamento literário interessante em 2012 foi o livro do professor Ronaldo Lemos (1976- ), “Futuros Possíveis” (Ed. Sulina, 318 p., R$32,00). Este livro traz textos sobre mídia, cultura, sociedade e direitos. Como diz em sua apresentação, reúne artigos publicados em vários contextos, como a Folha de São Paulo, a Revista Trip, o Overmundo, dentre outros, além de inéditos. Diz mais ainda: “São gotas cujos possíveis futuros incluem confundir-se na chuva tecnológica dos nossos tempos, ou ajudar a compor um oceano mais abrangente de reflexão sobre as mudanças sociais trazidas pela tecnologia.” No programa Estúdio i, da Globo News, o autor disse que “é para ser uma leitura muito fácil, muito convidativa, qualquer pessoa pode ler”. Acrescenta ainda que “é um livro que tem um radar bastante amplo de temas.”
O professor Ronaldo Lemos, entre outras tantas atividades que mantém, é diretor do projeto Creative Commons no Brasil, coordenador dos projetos A2K Brasil, Cultura Livre e Open Business.
Creative Commons é uma organização não governamental sem fins lucrativos criada em 2001 por, entre outros, Lawrence Lessig. Ela está localizada em São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos e seu objetivo está voltado a expandir a quantidade de obras criativas disponíveis através de licenças que permitem a cópia e compartilhamento com menos restrições que o tradicional todos direitos reservados. Para isso a organização criou licenças, conhecidas como licenças Creative Commons. O A2K Brasil, Access to Knowledge ou Acesso à Cultura, é um projeto do Centro de Tecnologia e Sociedade, CTS, da Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito Rio. Tem parceria com o Open Society Institute e assume a função de promover e incentivar o debate democrático sobre Propriedade Intelectual, destacando o desenvolvimento de um modelo efetivo para garantir o equilíbrio entre a proteção aos direitos autorais e o acesso ao conhecimento. Cultura Livre é uma visão da cultura promovida por um movimento social que se baseia na liberdade de distribuir, modificar trabalhos e obras criativas. Já o Open Business, nome em inglês para modelos de negócio abertos, é uma iniciativa conjunta da África do Sul, Inglaterra e Brasil que objetiva mapear e estudar potenciais formas de negócio que se baseiam na disponibilização de parte do conteúdo produzido ou do serviço prestado gratuitamente e de forma aberta.
Todos estes projetos têm um aspecto em comum, convencer as pessoas que o mundo seria bem melhor se toda a produção intelectual que é produzida pertencesse a todos. Cogitar que alguém queira ou possa viver da renda daquilo que produziu ou criou, não entra no discurso dessa ideologia. A menos é claro que quem o defenda seja um professor, advogado bem empregado por uma grande instituição, de preferência educacional.
O escritor norte-americano, Mark Helprin, em uma entrevista à revista Época, em 2009, disse que “como qualquer movimento político, o Creative Commons tem diversas faces. Na face mais visível, que fazem questão de mostrar, seus líderes afirmam que não são contrários ao direito autoral. Dizem que só estão procurando impedir os abusos cometidos pelos detentores dos direitos de reprodução de um bem artístico ou de uma obra intelectual. Para impedir tais abusos, os ativistas do Creative Commons querem modificar a legislação do direito autoral, de modo a ajustá-la aos avanços da tecnologia. Isso é verdade apenas em parte. Outra face do Creative Commons é aquela que defende o que seus ativistas chamam de ‘Cultura Livre’ da era digital, em que todos ficariam livres para copiar textos, imagens, vídeo e áudio à disposição na rede, recriando-os da forma que desejarem. Mas aí eles esbarram no direito autoral, que consideram uma tremenda amarra que aprisiona a liberdade de expressão. Eles afirmam que o direito autoral é um monopólio que freia a criatividade. Se realmente acreditam nisso, então são contrários ao direito autoral.”
Ele ainda acrescenta que “Lessig e o Creative Commons são amplamente financiados por grupos cujo interesse seria ver o direito autoral enfraquecido, reduzido ou até mesmo abolido. O exemplo mais evidente é o Google. O Creative Commons recebe uma montanha de dinheiro do Google e das outras superpotências emergentes da internet. Todas, obviamente, se beneficiariam se não precisassem se preocupar com o direito autoral. (...) O direito autoral está progressivamente sendo sitiado. O que está em jogo é a legitimidade da propriedade intelectual.” Para Helprin “ao enfraquecer ou abolir o direito autoral, está se matando a galinha antes que ela bote os ovos de ouro. Não haverá mais incentivo para alguém criar o que Lessig chama de ‘conteúdo’. E, sem ‘conteúdo’, os iPods, os iPhones, o Google e todas as coisas que eles aplaudem como maravilhas tecnológicas não passariam de lixo inútil. Quem trabalha criando conteúdo precisa de incentivo. Nós precisamos ganhar a vida.”
Em maio de 2009, Mark Helprin, publicou no The Wall Street Journal um artigo atacando a flexibilização dos direitos autorais e o Creative Commons. Em abril do mesmo ano, lançou nos Estados Unidos o trabalho “Digital barbarism” (Barbarismo digital), inédito no Brasil.
O livro “Futuros Possíveis” impresso, editado pela Sulina, tem em seu interior a especificação da licença Creative Commons com atribuição “Não comercial” e “Compartilha Igual”. Pela cultura e ideologia defendidas e difundidas pelo seu autor, pensei que o encontraria à disposição na internet. Algo como o que ele fez com o seu outro livro, “Direito, Tecnologia e Cultura”, editado em 2005 pela Editora FGV. Não achei. Entrei em contato com a editora, assim como com a editora Buqui, que vende o arquivo digital por R$12,90; mas elas não deram retorno. A Fundação Getúlio Vargas e o próprio autor, para quem enviei um e-mail perguntando sobre a disponibilização da obra também não responderam.
Em 2003, Ronaldo Lemos desistiu de uma promissora carreira nos Estados Unidos para voltar ao Brasil e fundar a Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, no Rio. Ele também envolveu-se em outro projeto, a criação do Centro de Tecnologia e Sociedade, CTS, da FGV, que dirige até hoje. Carreira promissora, sem dúvida, que faz pensar naquelas em que uma cultura primeiro é disseminada para que depois os seus precursores lucrem com ela, indireta ou diretamente.
Nas “gotas” prometidas por ele, da “chuva tecnológica dos nossos tempos”, se os interessados não tiverem dinheiro para a aquisição do seu trabalho, provavelmente só terão acesso a alguns respingos, isso se tiverem acesso à internet. Quanto ao “oceano mais abrangente de reflexão sobre as mudanças sociais”, pelo que se viu, esse tem uma placa onde está escrito: “Praia Privada, acesso restrito”.