Escolher as Nossas Batalhas

Se há coisa que me custa fazer na vida é dizer «não». Porém a nossa sanidade mental, por vezes, não nos deixa outra opção: ninguém consegue fazer tudo bem ao mesmo tempo nem manter toda a gente satisfeita. Acreditem, sei o que é o mito da «supermulher» e sei o que é fazer inúmeras tarefas ao mesmo tempo e esforçar-me por ser perfeita em todas. Não resulta. Todos temos um limite e se formos «cabeçudos» ao ponto de fazermos «ouvidos moucos» aos sinais que o corpo vai dando, um dia este faz greve e não concede sequer um prazo de negociação.

É assim que se cai numa doença física ou psíquica e se vê a vida dar uma cambalhota irreversível. Ultimamente – e por este exato motivo – fui obrigada a aprender a dizer não, a parar, a escutar o ritmo do meu corpo e do meu coração e a «soltar amarras» quando o navio quer partir antes de eu estar preparada para embarcar na viagem. Se não posso fazer vinte coisas ao mesmo tempo, faço uma de cada vez, com afinco e calma. Curiosamente passei a fazer as outras dezanove um pouco melhor...

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É uma das lições mais difíceis de aprender, esta da sensatez. Para ser sincera considero-me um caso típico de insensatez: tenho uma bagagem teórica muito bem baseada, conheço inúmeras técnicas de relaxamento e autocontrole. Cultivo o estudo da paz. Leio tudo e mais alguma coisa sobre a forma de gerir os afetos e de evoluir espiritualmente. Contudo, na prática, sentia que continuava a errar no essencial. A cometer os mesmos «erros» tontos das pessoas super ocupadas, que se julgam imprescindíveis e correm o dia inteiro para se convencerem que assim enganam o próprio tempo e o controlam. É uma utopia.

Viver com qualidade não é atafulhar as horas com atividades. A superlotação em termos de ação é tão destruidora da qualidade de vida como o seu oposto: a passividade conformista e preguiçosa dos indiferentes. E a vida, creio que irão concordar, só faz sentido se tiver qualidade. É assim que justifico a necessidade de não irmos «além da chinela» e de, humildemente, reconhecer que precisamos de pausas. Momentos só nossos. Momentos para escutar música ou para abraçar um ente querido. Momentos para saborear, linha a linha, uma poesia. Momentos para não fazer absolutamente nada a não ser «libertar» o corpo e a mente.

Quando o conseguimos fazer, o stress pode continuar a envolver-nos, mas não «penetra» cá dentro. Tudo pode continuar a correr contra relógio ao nosso redor, mas o nosso ritmo biológico e mental está acertado por um horário diferente. O nervosismo ao nosso lado pode ser de «cortar à faca», mas a nossa paisagem interior permanece serena, protegida por um impermeável de paz e de paciência que só a sensatez cultivada pode dar.

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Quando percebermos que não podemos mudar o mundo nem as pessoas à força, quando percebermos que ninguém precisa – nem gosta! – de gente mais esperta que os outros, sempre a fazê-los sentir como são incompetentes ou pequenos; quando percebermos que uma palavra serena – ou o silêncio, que é de ouro! – vence mais batalhas do que mil chicotadas verbais ou atitudes agressivas, então compreenderemos o valor duma máxima muito útil sobre a sensatez, que S. Tiago nos dá numa carta sua: «Todo o homem deve ser pronto para ouvir, tardo para falar e lento para se irar» (1, 19)

Nos últimos tempos tenho sido confrontada com vários desafios, mas o maior foi o de enfrentar uma «birra» do meu corpo que se fez respeitar à força. Obrigou-me, por exemplo, a parar com várias atividades que considerava inadiáveis. Obrigou-me a ordenar prioridades e a respeitar as minhas fronteiras interiores. Não tem sido fácil, porque me obrigou a mudar. Contudo nada acontece por acaso e estou certa que todos os momentos difíceis são sempre uma estratégia de evolução.

De momento tudo está mais sereno. Já não vivo com vontade de «morder» quem me provoca. Já consigo colocar-me um pouco melhor no lugar de quem me irrita e perceber as suas razões que antes me pareceriam incompreensíveis. Agora procuro arranjar tempo para desfrutar da companhia de quem me dá prazer, mesmo que outras coisas fiquem por fazer. Agora consigo, em horas de ponta, sentar-me no chão com o meu sobrinho de quatro anos e «fingir» com ele que a fantasia é a melhor das realidades. Voltei a rir com gosto. Respiro fundo e o peito já não «dói» nem se sente «engasgado» por sapos mal engolidos. Se me «chateiam» encolho os ombros e procuro pensar em algo ou alguém que me devolva a alegria .

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Ou seja: face a tudo o que me andava a esgotar e a pressionar, passei a adotar uma nova atitude. Não foi o mundo que mudou. Não foram os problemas que se evaporaram, como por magia. Fui eu que tive de mudar para readquirir o direito à saúde e à paz. Acredito cada vez mais que a vida nos testa com as mesmas aflições até aprendermos a lidar com elas de forma positiva. A evolução do nosso ser vai-se tecendo assim, com malhas cada vez mais fluidas, mais simples, mais ligeiras. Eventualmente chegamos à perceção que o mais importante da vida é sempre mais simples do que parece. Que o tempo não é nosso, mas é a nossa arena de treino, o nosso palco de ensaio, o nosso canteiro onde podemos, livremente, escolher plantar cardos ou margaridas.

À minha volta vejo muita gente a travar a mesma batalha que eu. Gente sem tempo, deprimida, esgotada e atolada em preocupações. Há um nível de stress tão pungente, que não é de admirar que as depressões cresçam a ritmo alarmante, algumas dando origem a um desequilíbrio permanente e sem cura. Quando os sinais de alerta aparecem, não é vergonha nenhuma reconhecê-los. Se não dermos «colo» ao nosso ser, se não «apaparicarmos» a nossa própria vida, como podemos esperar que os outros nos aturem e compreendam? Afinal as reações do mundo para connosco são um reflexo do nosso «espelho». Colhemos o que semeamos, mesmo de uma forma inconsciente. Escolhemos as nossas batalhas e pagamos o preço que elas custam.

Termino com a partilha dum pequeno texto de reflexão da autoria de Richard Carlson. Vem inserido no seu livro «Não faça uma tempestade num copo de água» e tem exatamente este título: «saiba escolher as suas batalhas»: «Saber escolher as suas batalhas» (...) sugere que a vida é repleta de oportunidades para se escolher entre fazer uma tempestade num copo de água ou simplesmente deixar andar, considerando que a maior parte das coisas não tem muita importância. Se souber escolher as suas batalhas, será muito mais eficiente e vencerá as que realmente interessam.

Reprodução
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É verdade que haverá ocasiões em que vai querer e precisar de discutir, enfrentar ou mesmo brigar por algo em que acredita. Muitas pessoas, no entanto, discutem. Enfrentam e brigam por quase tudo, transformando as suas vidas numa série de batalhas em que se jogam apenas ninharias. Este tipo de vida gera tanta frustração, que se perde o sentido do que é realmente importante. (...) A verdade é que a vida raramente é aquilo que gostaríamos que fosse, e as pessoas, por norma, não agem da forma que gostaríamos que agissem. (...) Haverá sempre pessoas que discordam de nós, pessoas que agem de maneira diferente, e coisas que muito simplesmente não funcionam. Se lutar contra este princípio da vida, perderá a maior parte do seu tempo em batalhas inúteis. (...)

Se não quiser «fazer uma tempestade num copo de água», é vital quer passe a escolher as suas batalhas com sabedoria. Se o fizer, chegará o dia em que nem sequer sentirá necessidade de enfrentar uma»

Eu estou sinceramente interessada em testar esta técnica. Porque não procura fazer o mesmo?